terça-feira, novembro 27

A tosta é mesmo de quê menina?

A Ambrosia cá de casa tinha pedido antes de mim uma tosta de queijo com manteiga. Pedido fácil de lembrar. Só uma tosta. Dirijo-me então ao balcão, e a senhora começa num lento e demorado processo a contar moedas. Assim, do nada. Moedas daquelas pequenas, pretas. E claro, conta-as uma a uma, coloca-as na bancada, o som horrível do metal no metal a arrepiar-me os dentes.

Espreito lá para dentro da cozinha, a ver se detecto outra empregada por ali. Algumas passam a conversar, uma arrasta uma saca de batatas. Lá vão as batatas, lá vai a empregada faladora, e eu à espera que aquela que conta as moedas se lembre que estou ali. Acaba a tarefa, levanta aqueles olhos pequeninos e deslavados e, ignorando-me completamente, pergunta lá para o fundo do bar à Ambrosia de que era a tosta. Cérebro pequeno o da mulher, gaita. Já nem sabe o que lhe tinha sido pedido uns minutos antes, com ou sem moedas à mistura.

- De queijo, com manteiga.

E só então é que a senhora lá vai (devagar, devagar) pôr a tosta a fazer. Antes limpa a tostadeira, gestos lentos, cuidados e eu à espera. A das batatas já se tinha escondido. Nada a fazer, só aquela imbecil é que me podia atender.

Finalmente, lá vem ela. Devagar, devagarinho, que isto de servir atrás de um balcão é uma valsa compassada, os passos bem medidos para que ninguém julgue que ela se está a esforçar muito. Mal de nós pensar isso! Só me apetece voltar-lhe as costas, mas enfim, muito tranquila lá lhe peço o meu queque de noz. Até me soube a ineficácia, aquele.

Mulherzinha irritante…


segunda-feira, novembro 26

rehcsE



“Se nunca me tivesse visto ao espelho e tivesse que descrever a minha aparência exterior de acordo com o que sei interiormente de mim, o retrato não seria nada parecido com aquilo que vês quando me olhas!”


A valsa do adeus

Milan Kundera

sexta-feira, novembro 16

Goo Goo G'Joob


E finalmente o Jeremy descobre boa música.

terça-feira, novembro 13

Tirar o kitsch da vida


"Daqui se infere que o acordo categórico com o ser tem como ideal estético um mundo onde a merda é negada e onde todos se comportam como se ela não existisse. Esse ideal estético chama-se kitsch"


Depois de ler "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera, percebi finalmente o que quer dizer Kitsch.

Já tinha ouvido a palavra, é certo. Associava-a sempre a um tipo qualquer de arte, moderna, contemporânea e assim meio foleira. Segundo o wikipédia, kitsch são gnomos no jardim, estatuetas de gatos pequenos e coloridos, molduras cheias de rococós, enfim, um sem número de coisas obsoletas e que, em jeito de biblôt, as pessoas vão espalhando e empilhando pelas casas..

De acordo com o site o kitsch descreve-se do seguinte modo:


Princípio da inadequação – Dar funções secundárias aos objectos, desprovendo-os da sua importância real. É dizer a um abridor de latas que a flor que o enfeita e lhe dá a sua graça é bem mais útil do que as rodas dentadas que o vestem. Assim mais ou menos isto.


Princípio da acumulação – Coleccionar coisas que não possuam valor monetário, antes emocional. Poderá o objecto em questão ter valor dos dois modos? Acho que isso já não seria kitsch, porque aí todos poderiam valorizar a nossa preciosa “acumulação” nem que fosse pelo dinheiro que teria custado. Colecção kitsch tem de ser, portanto, inútil, de coisas que aos olhos dos outros se afiguram como lixo mas que para o praticante kitschiano assume contornos de tesouros e fortunas de mil índias longínquas.


Percepção sinestésica – Exemplo: cartões de namorados perfumados… Nada mais a acrescentar, excepto que o kitsch começa já a misturar-se com a pirosice do pior.


Princípio da mediocridade – Tudo médio, nada de extremos.


Como diz Kundera: “É a negação absoluta da merda. (...) Kitsch exclui do seu campo de visão tudo o que a existência tem de essencialmente inaceitável”. Foi esta parte do livro que mais me cativou, fiquei suspensa a cada palavra que ele ia desenrolando para descrever o kitsch na sociedade e na arte. Deus criou-nos a fazer merda (literal e figurativamente), mas para o movimento kitsch, tal facto é por si só, sórdido e asqueroso o suficiente para que seja eliminado da existência humana. Ou pelo menos esquecido. Negá-lo é negar os podres do homem, a sua fragilidade e imundice. Negá-lo é esquecer os instintos básicos que nos tomam de assalto e, por vezes, nos fazem ser tão extremos, tão pouco medíocres. É elevar a pessoa a ser perfeito, plástico, que não tem intestinos e, portanto, não evacua. Como ele dizia que Jesus não fazia. Comia, digeria, mas não evacuava.

Mas por ora chegam de conversas tão indecorosas.