segunda-feira, outubro 22

O dia em que me chamei Nati


Eu, a Márilene e a Hellena em terra longínquas, algures entre diques e bicicletas para gigantes!

Esta notícia saiu no jornal holandês online, o Het Carillon, editado pelo dono da pousada da juventude em que ficámos, na vila de Alem (pronunciar Arrem ou algo semelhantemente arranhado). E nem era bem uma pousada de juventude, era mais uma casa, um verdadeiro puzzle de objectos e mobílias diferentes, num misto de quartos pequenos e com temas como a Holanda (ou o futebol holandês), África ou o Tibete. Era antes uma casa que acolhia jovens viajantes, ou, como eles descreviam, uma Animal Farm.

E esperando eu encontrar uma quinta rústica e típicamente holandesa (seja lá isso o que for), eis que se nos depara esta casa, perdida no fim da vila com 300 pessoas. Anfitriões - uma cadela irrequieta chamada Birkel, duas cabras, um porco e a preguiçosa Babushka, uma gata enorme. Na casa divisões e regras claras - andar descalços no andar dos quartos e só fumar erva nas salas específicas para tal. Claro, nem nos passou pela cabeça ir fumar droga para as outras salas!

Mais um tijolo amarelo nesta estrada de recordações, a viagem um atalho de aventuras e campos de flores que nos faziam adormecer (ou rir muito e dizer que queríamos encher o cabelo de tranças, a língua travada numa súbita amnésia de inglês).

Para nunca esquecer: a viagem interminável pelos diques holandeses, em bicicletas que não tinham travões, chuva torrencial a apimentar o dia cinzento. Espinhos nos pés, vodka no chantili, e um Quim Barreiros na televisão, versão língua-de-trapos.

P.S.:Recompensa-se com crepes de chocolate algum gentil amigo que saiba holandês e consiga traduzir a notícia.


quarta-feira, outubro 17

O mistério das batatas fritas

Conversa com uma das Ambrósias cá de casa, numa fila eterna para almoçar:

- Sabes de que são feitas as batatas fritas no MacDonalds?

- Não... Não são feitas de batatas mesmo?

- Sim, mas... eles fazem é um puré antes e é desse puré que tiram palitos para fritar. Não fazem os palitos directamente das batatas como nós fazemos em casa.

- Ah, estranho. Ao menos usam mesmo batatas.

The one and only

E agora a história do Espantalho de Oz.

O espantalho foi o primeiro dos amigos que Dorothy fez na Terra de Oz, na sua saga pelo caminho amarelo, em busca de uma casa que afinal ficava a uns sapatinhos vermelhos de distância. Se ela soubesse isto, aposto que nunca se teria posto a caminhar sozinha por aquele trilho cheio de coisas estranhas, só com um cão raça porta-chaves como guardião. Mas podia lá ela adivinhar o poder que aquelas sabrinas com brilhantes vermelhuscos tinham...

Estava a Dorothy em busca da Cidade de Esmeralda quando ouviu qualquer coisa a mexer num campo de milho, onde encontrou o nosso caro espantalho. Que não tinha cérebro. Ou assim julgava ele. Pelos vistos tinha, porque sabia dançar, e para dançar precisa-se de um cérebro, ainda que não muito evoluído, mas ainda assim um cérebro. E não feito de palha, como o dele. Um dos verdadeiros, dividido em lobos uivantes e com sinapses, neurónios e tudo o que um cérebro dos bons implica.

E o brainless espantalho lá foi com a menina perdida, os dois novos amigos seguindo alegremente pela estrada fora, encontrando depois outros dois personagnes, também eles com falta de qualquer coisa que pelos vistos sempre tinham tido all along (assim o dita a moral da história). No fim de toda a aventura, no fim de canções infindáveis com aquelas gentes pequenas e de macacos que voavam, no fim de destruírem o farsante do Feiticeiro de Oz, o espantalho é nomeado reinante, imperador, presidente do reino de Oz. Isto, claro, porque ele já tinha demonstrado possuir um cérebro, ninguém vai reinar um sítio tão esplendoroso e com fadas tão bonitas como a Gilda sem saber pensar; o seu problema era falta de confiança e o cérebro tinha lá estado o tempo todo. Termina em bem a história deste amiguinho da Dorothy.

Segundo o wikipédia, o espantalho na história de L. Frank Baum (autor dos vários livros sobre Oz) é na verdade uma alegoria muito alegre aos agricultores norte-americanos. Porque eles também eram como o espantalho. Muito inteligentes, sim senhor, com um senso-comum forte e sabedoria infinita, só precisavam de um empurrãozito. "(...) the popular image of the American farmer—although he has been persuaded that he is only a dumb hick, he possesses a strong common sense, remarkable insight and quick-wittedness that needs only to be reinforced by self confidence."

Ah, e curiosidade final: no filme cortaram algumas cenas que indiciavam um possível romance entre a Dorothy do Kansas e o Hunk (o agricultor da quinta dos tios e que supostamente era o espantalho no sonho dela). Bem me parecia que ela preferia o espantalho aos outros enlatados ou leões pouco corajosos.

Eu também o prefiro, o espantalho. Sabe dançar :)


segunda-feira, outubro 15

Muro caiado


És como uma parede. Atiro tudo o que sou, tudo o que tenho e nada parece mexer nesse muro caiado que és. Uma parede gigante, enorme e branca, parada no tempo, imobilizada à minha frente. A brancura queima os olhos quando o sol em ti se reflecte, as ervas paradas vão crescendo em teu redor. Mas na placidez do meio-dia nada mexe, o ar cortado passa pelos teus ombros, arestas frias que anunciam o fim da tua figura. Não te sinto, não te toco; de ti nem um cheiro me chega, o teu silêncio tapa-me a boca e permaneço assim, à tua frente, à tua espera. Já te atingi com tudo o que tinha, mil palavras inférteis já treparam pelo verde que tens colado ao corpo. E nenhum fruto nasceu, o calcário do teu muro matou tudo.

Assim cá estou, sentada diante de ti, as mãos mais vazias do que os olhos. Esses estão sempre atentos. Qualquer movimento, uma sombra fugaz, um pássaro preto que pousa no cimo dos teus cabelos. Nada escapa, pois ainda que parada, não cesso de te contemplar. Inutilmente. Nada a estranhar nisso. São sempre inúteis os punhados de terra que te atiro.


Se substituirmos “muro” por espantalho, continua a fazer sentido?

A Dorothy que decida.


domingo, outubro 14

Um dia daqueles



Um dia de Outono perfeito, ainda a saber a Verão, mas já com o cheiro das folhas caídas e das castanhas...

E nem tudo tem de ser feito de silêncio, sabes?


quinta-feira, outubro 11

Kiss me, oh kiss me



"Kiss me, oh kiss me

we've all been there too"




When the fight is over

and the storm is through

will you pick another

what will you get into?


So you stand in the corner

with those boxing gloves on you

you're all scared and lonely

we've all been there too


Kiss me, kiss me

if that can make it right

try me, defy me

just throw them on me

those failed expectations,

floods and aflictions

you're through

'cus I just might

take them home with me


And the cracks in the pavement

we've all fell there before

and bones built into skeletons

we've all been through that door


Kiss me, oh kiss me

if that can make it right

try me, defy me

just throw them on me

those failed expectations,

floods and aflictions

you're through

'cus I just might

take you home with me


Kiss me, oh kiss me

we've all been there too


Estou rendida a esta música do David Fonseca. É simplesmente genial. Tudo nela se conjuga para atingir a forma perfeita, o som, a letra, o ritmo com aquelas palmas e, claro, a voz dele.

No DVD "Dreams in Loop - Live", David Fonseca toca esta música mostrando-nos todos os arranjos que fez com ela e todos os sons intervenientes. Palmas, voz, um batuque de um instrumento qualquer engraçado que nem sei definifr, piano e acordeão. E depois mistura tudo aquilo, numa ordem que ele tão bem consegue definir na cabeça e (ainda melhor) transportar para o exterior.

É incrível como da cabeça dele saem todos estes sons, como ganha forma um pensamento cantado. Das mil e uma combinações possíveis que ele poderia arranjar com aqueles ritmos diferentes, contrói uma música que se vai desenhando e ganhando cor, forma, tom.

Sempre achei fantástico o processo criativo das músicas, algumas delas tão geniais. Interrogo-me como pode alguém misturar os sons certos de um modo também tão certo, tão natural. Tudo isto porque o meu ouvido não é lá grande coisa, e nestes mundos de músicos só sabe mesmo apreciar o trabalho dos outros, deixando para segundo plano quaiquer tentativas de fazer música. O meu ouvido é bem comportado, sabe que não nasceu para inventar novas miscelâneas de sons, limita-se a ficar ali quietinho a ouvir tudo com muita atenção. É um bom ouvido :)

O espantalho



Será que aqui era preciso um espantalho sem cérebro?

Foto: www.yannarthusbertrand.com